terça-feira, 21 de junho de 2011

Papo de Homem




Experiência sexual de Gilmar Barbosa vira livro

Para quem gosta de quadrinhos, humor e bastante sacanagem, acaba de ser lançado o álbum Ocre (Zarabatana Books) de Gilmar Barbosa. Na obra o cartunista descreve tudo o que aprendeu com sua experiência sexual (ou com a falta dela), mas nunca teve coragem de contar.

Ocre é uma coletânea de tirinhas que mostra o que há de mais engraçado na relação entre homens e mulheres. É quase impossível não cair na gargalhada com a capacidade de Gilmar em mostrar o lado mais patético da sexualidade. Sem falar que ele quase tudo ali é autobiográfico (provavelmente ele vai desmentir isso nos comentários).

O trabalho de Gilmar tem muita personalidade. Qualquer fã de quadrinhos nacionais experiente reconhece seu traço até numa porta de banheiro. Seu humor doentio e cheio de boas sacadas tem espaço entre leitores que curtem quadrinhos alternativos. Somente agora, através de uma divulgação mais espontânea, que Gilmar tem ganhado a prateleira do grande público.

O cartunista já apresenta uma sólida carreira de cartunista com passagem pela maioria dos grandes jornais brasileiros. Inclusive, um de seus álbuns foi fruto de um projeto do governo que incentiva a produção de histórias em quadrinhos, o Programa de Ação Cultural (Proac).


Batemos um papo com Gilmar, relembrando momentos de sua carreira e fazendo um panorama sobre a atual cena do mercado brasileiro de quadrinhos. Confira:




Como alguém começa a fazer quadrinhos e se torna um cartunista profissional?

Eu vejo isso como uma história particular de cada um. No Brasil, não tem escola ou faculdade com os moldes dizendo exatamente como se formar, como atuar no mercado, então você faz isso meio que na raça abrindo trincheiras de maneira muito individual. Eu, por exemplo, trabalhava em uma fábrica de porcelana, em 1984, e o pó que voava transformava as paredes em grandes telas brancas. Eu passava as tardes desenhando com o dedo, (dedo que aliás perdi um pedaço na prensa da mesma fábrica). Certo dia o chefe me deu uma bronca que me deixou frustrado. Naquele dia, que era uma sexta-feira, decidi que não mais voltaria lá.


Foi a partir de segunda-feira que resolvi batalhar por uma carreira profissional. O meu primeiro trabalho como cartunista foi no sindicato, onde atuei por mais de dez anos na imprensa sindical. Era a década de 80, quando os sindicatos do grande ABC tinham grande importância na mudança política do país. Com o tempo e de acordo com as vivências, fui me formando e enquadrando dentro de um estilo de trabalho. Isso influencia na maneira de fazer quadrinhos e o tipo de traço que desenvolvi.


Dá pra pagar as contas, sustentar a patroa e encher a geladeira de cerveja?


Acho engraçada essa pergunta. Muitos colegas já me citaram como alguém que sabe administrar e viver dos quadrinhos sem realizar outras atividades paralelas, ou seja, sempre vivi única e exclusivamente do meu trabalho. Isso talvez por não ter uma origem “bicho-grilesca” e sim de migrante nordestino e como vários que vieram pra São Paulo, senti na pele a dificuldade. Lembro bem do sabor da farofa no pau de arara. Como não tinha chance para errar soube administrar cada centavo. Portanto, pago as contas, encho a geladeira de cerveja e compro meu Engov.
Além disso, tinha dois sonhos de consumo, um era fazer um tour pela Europa, o outro era comprar sobrancelha no supermercado. O primeiro já consegui.


Qual é a rotina de trabalho de um cartunista? Quantas horas você dedica por dia para isso?

Já tive vários modelos de rotina. Um em que andava com a prancheta a tiracolo, me acompanhava até na cama, dormia abraçado com ela para se caso rolasse alguma ideia anotar para não perder. Inclusive na hora do pega pra capar… “Para tudo que preciso fazer um rafe!!!”. Em outro, sentava em um parque ou em um bar e ficava observando o comportamento humano, matéria prima para o trabalho de um cartunista. Já tive rotina de redação de jornal diário, onde aguentei pouco mais de dois anos (fábrica de fazer maluco, não que eu seja muito certo da cabeça). Eu odiava quando eram quatroda tarde e rolava aquele frisson: as pessoas chegando, sorridentes e contando o que fizeram durante o dia, tinha que dar beijinho e cumprimentar todo mundo.
Eu achava um pé no saco aquilo tudo. Além disso, sou uma pessoa que somatiza toda a periferia do ambiente então imagina isso em uma redação de jornal onde tem televisões ligadas, o telefone não para, repórteres correndo porque não sei o que explodiu, não conseguia trabalhar e pedi para sair. Hoje trabalho no meu casulo, mais tranquilo e entre uma corrida e outra à padaria tenho uma disciplina de cumprir os compromissos que assumo independente do horário.

Que referências culturais e artísticas formaram seu estilo de desenhar e criar suas tiras?

Olha só, não tenho grandes nomes ou referências para citar como inspiração ou influência. O que eu fiz até hoje foi sem maiores pesquisas, foi meio que indo conforme batia o vento; claro que os Los Três Amigos, Angeli, Laerte e Glauco foram importantes para o resultado do que faço hoje, as tiras em quadrinhos, talvez uma das linguagens que mais gosto de fazer tenha vindo deles. Escuto coisas do tipo, ah seu trabalho tem coisas de Asterix, Mortadelo e Salaminho ou outros que nunca ouvi o nome, etc. Se tem algo parecido com algum outro tipo de trabalho, arte ou autor, é inconsciente.
Uma coisa eu sei, preciso me reciclar nos traços, sempre tento mudar um pouco a forma para me sentir estimulado, muitas vezes me engano porque segundo alguns amigos, o estilo do desenho é o mesmo, Tenho dúvidas, repare o traço dos quadrinhos “OCRE” e do Guilber, por exemplo. Acho bem diferentes.

Você é um dos poucos autores brasileiros que estão sempre lançando seus trabalhos, nem que seja de forma independente. Fale um pouco sobre isso.


Tudo que fiz até hoje foi pautado, quer seja para jornal, revista ou livro, após a publicação direcionada para esses veículos acabo sempre fazendo uma coletânea em álbum simbolizando um ponto final naquela série. Na maioria dos livros que publiquei tive respaldo de editora, O único diferente teve incentivo do governo como o Caroço no Angu, o primeiro livro publicado pelo Proac. Destes, destaco um trabalho diferente que é o OCRE – Quadrinhos não recomendáveis para pessoas românticas foi o único não pautado e percebi que é muito mais prazeroso fazer aquilo que você acha e acredita que deve gastar seu precioso tempo.


Quando você começou a publicar seus trabalhos? Desde então já trabalhou em quais lugares?


Meu primeiro desenho publicado foi num jornal chamado A voz de Mauá. Foi uma charge da morte de Tancredo Neves em 1985. Depois fui trabalhar na imprensa sindical onde passaram vários outros cartunistas nos anos 80, atuei 10 anos. Em seguida, fui para o Diário Popular que depois virou Diário de SP, fiquei 7 anos fazendo tiras em quadrinhos, depois fiz Folha de São Paulo uns 4 anos, fazendo quadrinhos para o Folhateen, nesse meio tempo, publicava tiras em revistas e em outros jornais fora de SP e de Portugal. Fiz O Pasquim 21, Bundas, Jornal do Brasil, Diário do Grande ABC, Hoje, Jornal Tribuna de Vitória, etc. Paralelo a isso fiz ilustrações para livros em parceria com o ilustrador Fernandes, que é sócio da Boitatá Ilustrações comigo.

O que você acha do atual mercado de quadrinhos brasileiro?


Comparando com o que tínhamos antes, obviamente melhorou muito com a abertura dos olhos do governo para esse tipo de trabalho. Vieram as compras Governamentais e com isso as grandes editoras começaram a produzir adaptações literárias gerando um trabalho cada vez maior para os quadrinistas brasileiros. Tem também uma pequena parcela de autores que desenvolvem um trabalho autoral e que muitas vezes tem que ser valorizado lá fora para depois ser visto aqui, é um processo meio lento, mas que está no caminho. Agora vou ali na padaria tomar um café, tá afim?

Raphael Fernandes
Formado em história na USP, decidiu jogar seu diploma fora trabalhando como editor da revista MAD. Atualmente, também é analista de mídias sociais, roteirista e redator. Perde mais tempo lendo e escrevendo do que contando dinheiro. Twitter: @raphafernandes. Blog: http://www.contraversao.com/. Papo de Homem


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